André Batista e Gustavo Miranda, de Porto Feliz (SP), são jovens cantores de cururu que buscam manter viva a tradição dos versos cantados. Jovens cururueiros mantém vivo a tradição da música caipira
Um estilo musical que resistiu ao tempo e ainda colhe os frutos semeados por seus precursores. Antigamente, o cururu era utilizado pelos jesuítas para catequizar os índios. Aos sábados, os padres reuniam os nativos para ensinar-lhes a doutrina e as histórias dos santos.
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No entanto, como faz parte do folclore brasileiro, essa explicação não é a única. Assim como existem diversas interpretações, o ritmo do cururu também não se limita a um único estilo. Atualmente, o gênero musical se mantém vivo graças aos corajosos repentistas que cultivam a tradição.
Algumas vozes têm deixado de lado a modernidade das músicas atuais e continuam mantendo viva a tradição caipira. Entre as cidades que são berço dessas novas vozes está Porto Feliz (SP), conhecida como "Terra das Monções", que se desenvolveu nas margens do Rio Tietê, sendo ponto de parada para pousadas, tropeiros, comerciantes e novos moradores.
André Batista e Gustavo Miranda fazem parte da nova geração do Cururu
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Gustavo Miranda, de 24 anos, é um dos novos cururueiros que, desde criança, aprendeu a apreciar as raízes da roça. Ele conta que, aos cinco anos de idade, seu avô foi uma grande influência em sua vida. Costumava ouvi-lo cantar os "baixões" - a introdução - de todas as modas de cururu e, assim, foi aprendendo os primeiros versos.
Assim como o estilo musical foi se desenvolvendo timidamente, Gustavo conta que os primeiros versos foram feitos em segredo, sem que ninguém soubesse.
“Comecei a cantar meus versos com 12 anos, eu cantava escondido em casa, sem que ninguém soubesse, e assim fui aprimorando”, relata.
Gustavo Miranda em uma apresentação de Cururu
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Gustavo lembra que a participação dos jovens é muito importante para manter viva essa cultura. Ele lamenta a perda de muitos expoentes do cururu e destaca a responsabilidade de sua geração em manter a história.
“Precisa de gente nova que se interesse pela nossa cultura, para que ela não se acabe”, afirma.
Pelas viagens que realiza pelo interior, Gustavo conta que histórias relatadas por outras pessoas dão ânimo para continuar traçando essa linha da história. Algumas pessoas relatam que o cururu ajudou na luta contra a depressão, segundo ele.
“Começaram a cantar os versinhos que fizemos durante as apresentações e isso os ajudou no combate dessa doença, mostrando o poder da música, como um calmante natural”, diz.
Gustavo explica que o mais difícil para um cururueiro é prender a atenção das pessoas, comparando com o passado, quando histórias bíblicas cantadas mantinham o público atento.
Hoje, esse tipo de narrativa não desperta mais interesse, e o público tende a se distrair, segundo ele. Por isso, o jovem afirma que é necessário criar músicas que façam as pessoas rir e aplaudir. Ele ressalta que, além de atrair o público, o maior desafio é produzir versos de qualidade.
Tradição em família
Ainda caminhando pelas histórias do cururu, outro jovem cantor, que também carrega a bandeira das trovas e das carreiras, surgiu no interior de SP. Com apenas um ano de diferença de Gustavo, André Batista é mais uma das novas vozes caipiras.
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André é filho, neto e sobrinho de cururueiros, que escreveram e escrevem seus nomes na história do cururu. Ele conta que, no início, acompanhava seu pai, Batistinha, e seu tio, Jairo das Neves, mas não sentia vontade de cantar.
“Comecei a prestar mais atenção e arriscava uns versos em casa. Hoje, o Cururu é uma paixão”, revela.
O jovem explica que uma das dificuldades é a falta de incentivo. E que, se não tivesse força de vontade, já teria desistido. André também destaca algumas "regras" que existem no cururu, como as carreiras e a forma como é cantado.
“Quando a festa é religiosa, no caso o ‘Pouso do Divino’, é meio obrigatório cantar nas carreiras de São João, do Divino, da carreira do ‘A’ e do Sagrado”, explica.
André explica que há vários modos de cantar o Cururu, que são conhecidos como carreiras. As carreiras não tem um tempo determinado, podendo ser cantada em minutos ou até mesmo em horas.
Essas escolhas variam de cantador para cantador. André explica que o primeiro cantor é quem escolhe a carreira que será realizada. Os duelos de trovas são realizados geralmente com quatro cururueiros.
Uma "Carreira de Cururu" é um ritmo e também um estilo em que as frases devem terminar com a mesma rima. Se o primeiro cantor se apresentar na carreira de São João, a última palavra de cada frase terminará com "ão" e os demais curureiros seguirão a mesma carreira. Os "Duelos de Trovas", como o próprio nome diz, são enfrentamentos em que a única força usada é a de criar versos provocativos que arranquem aplausos da plateia.
“Se o primeiro cantor fizer uma apresentação com uma carreira mais difícil e o próximo não conseguir trovar naquela carreira, ele pode escolher outra. As carreiras mais difíceis são a do ‘Presumido’ , Imperador, Santa Rita, Nosso 'Sinhô' e de São Vicente”, conclui.
André Batista se apresentando em um evento de Cururu
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Estilo caipira de cantar
O Cururu nasceu na capital, mas foi no interior - principalmente na região do Médio Tietê - que o estilo musical mais se destacou. Um dos grandes divulgadores dessa obra artística foi Cornélio Pires, que em 1910 reuniu cantores do interior paulista e os levou para a capital, dando ainda mais notoriedade ao estilo caipira de cantar.
Esse estilo já teve seus tempos de glória com cantores que marcaram época, como Luizinho Rosa, Narciso Correia, "Parafuso", Dito Silva, Manezinho Moreira, Cido Garoto, Pedro Chiquito, Toninho Urbano, Nhô Serra, Silvio Paes, Moacir Siqueira, entre tantos outros, que levaram essa bandeira.
Algumas curiosidades sobre o cururu:
Canta-se em carreiras, sendo as mais fáceis as de São João (em “ão”), do “A” (em “a”) e do Sagrado (em “ado”). As mais difíceis são a de São Vicente (“ente”), Presumido (“ido”), do Sol (“ol”) e de Santa Teresa (“esa”).
Geralmente, os duelos são realizados com quatro cantadores, sempre um desafiando o outro.
Muitos desafios colocam cidade contra cidade, como Piracicaba x Sorocaba.
Cornélio Pires foi o principal divulgador do Cururu.
O Cururu foi importante na catequização dos indígenas e ribeirinhos.
As principais cidades do interior de São Paulo onde o Cururu se difundiu são Sorocaba, Piracicaba, Laranjal Paulista, Tatuí, Conchas, Tietê, Itapetininga, Porto Feliz e Angatuba.
O Cururu é um estilo único e próprio dos paulistas, diferenciando-se dos repentes nordestinos e do siriri das regiões do Mato Grosso.
*Colaborou sob supervisão de Júlia Martins
Publicada por: RBSYS